Entrevista - Fernando Vernalha Guimarães

Fernando Vernalha Guimarães é Doutor em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e professor de Direito Administrativo em diversas instituições. Foi consultor do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, junto à Unidade de PPP, em 2009.

Recentemente, lançou dois livros que dialogam com os temas de interesse do PPP Brasil: “Concessão de Serviço Público” e “Parceria Público-Privada” (ambos pela Editora Saraiva).

Abaixo, transcrevemos uma entrevista realizada com Fernando Vernalha Guimarães, que é um dos colaboradores do PPP Brasil.

 

 

 

PPP Brasil. Você está lançando dois livros pela Editora Saraiva: “Concessão de Serviço Público” e “Parceria Público-Privada”. Quais os objetivos dos livros e quais foram as circunstâncias que o motivaram a escrevê-los? Além disso, quais as maiores dificuldades enfrentadas durante a execução da pesquisa com base na qual o livro foi desenvolvido?

Fernando Vernalha Guimarães. Os livros decorrem, em parte, de pesquisas que fiz ao longo de minha experiência acadêmica. Mas também refletem minha atuação profissional como consultor na área de contratos públicos. A verdade é que estes temas vêm adquirindo uma imensa importância prática no Brasil. A partir do programa de desestatização da década de 90, revivemos o modelo das concessões e experimentamos sua multiplicação em diversos setores estratégicos. Tivemos, daí, de reaprender a cultura das concessões e aprimorar as técnicas econômicas e jurídicas que animam o modelo. E isso se processou – e vem se processando - de forma evolutiva e bastante dinâmica. As PPPs, por exemplo, já surgem como uma evolução do modelo das concessões, como duas novas formas jurídicas de concessão (significando, inclusive, a promessa de ampliação prática do uso da concessão). As maiores dificuldades, portanto, atinentes à confecção dos livros estiveram não apenas na necessidade de atualização permanente da teoria e prática das concessões, mas também no uso reiterado de abordagens jurídico-econômicas, o que considerei importante para conferir atualidade e praticidade às abordagens dos livros.

 

PPP Brasil. Quais são os temas relacionados às PPPs que você considera ainda pouco desenvolvidos na literatura jurídica brasileira?

Fernando Vernalha Guimarães. Um tema de grande relevância para PPPs bem-sucedidas está numa eficiente distribuição de riscos. E esse é um tema relativamente novo e pouco desenvolvido no direito da contratação administrativa no Brasil. Isso porque nós, juristas, sempre tivemos o cacoete de raciocinar a distribuição de riscos a partir da tutela da equação-financeira do contrato administrativo, que tradicionalmente - e por influência do conteúdo da legislação sobre os contratos ordinários (Lei 8.666/93) - colocava a Administração como uma espécie de seguradora universal dos riscos experimentados pelos particulares na execução dos contratos administrativos. Com a Lei de PPP (e isso já era, no meu entendimento, extraível da Lei Geral de Concessões), foi explicitamente admitida a repartição de riscos (inclusive daqueles extraordinários) entre parceiro público e parceiro privado. Trata-se de um expediente muito relevante para tornar os contratos mais eficientes. A ideia é que se alcance um detalhamento – tanto quanto possível – dos variados riscos incidentes na execução do contrato, alocando a cada uma das partes os riscos que melhor condição tem de gerenciar. Assim, o risco deve ser absorvido pela parte que consegue, a custos mais baixos, prevenir-se de sua ocorrência ou minimizar os prejuízos na hipótese de sua materialização. Com isso, gera-se maior eficiência na contratação, economizando-se nos gastos globais do contrato (reduzindo o somatório dos custos incidentes na contratação), do que decorrem benefícios para a Administração, para os usuários e para toda a sociedade.

 

PPP Brasil. Em sua opinião, qual é a instituição que enfrenta mais desafios no que diz respeito à compreensão sobre aspectos dos contratos de PPP: Judiciário, Executivo, Tribunal de Contas ou Ministério Público?

Fernando Vernalha Guimarães. Talvez se possa dizer que, no presente momento, o Poder Executivo é quem detém as melhores condições à compreensão do modelo PPP. Isso porque será ele o encarregado a produzir os ajustes e acompanhar sua fiscalização, o que demanda – e já vem demandando - uma eficiente e adequada preparação de seus quadros, além de exigir o acúmulo de uma imensa quantidade e diversidade de informações técnicas, jurídicas, econômicas e fiscais. As variadas e sofisticadas questões técnicas e econômicas que inevitavelmente penetrarão os ajustes de PPP serão um desafio para as instâncias de controle e para o MP – e até para as Administrações abastecidas de quadros menos preparados. Mas há entidades, como o TCU, que possuem um corpo técnico com um bom nível para o exercício do controle sobre as PPPs.  Por outro lado, o grande desafio à compreensão da PPP está, acima de tudo, em admitir uma mudança na racionalidade da atuação contratual das Administrações, com a destruição do dogma da unilateralidade e impenetrabilidade do Poder Público - o que é sempre desafiante para as instâncias de controle e para o MP, especialmente num país com um amplo histórico de corrupção e promiscuidade (aqui referida em seu sentido clandestino) entre setor público e privado. O Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) é um exemplo. Paulatinamente, o setor público terá de cultuar o diálogo franco com a iniciativa privada, com vistas aperfeiçoar seus projetos, obter soluções técnicas etc. Havendo transparência, penso que esse seja um caminho interessante para otimizar as soluções tecnológicas dos serviços e atividades de interesse coletivo e produzir maior eficiência às contratações administrativas.

 

PPP Brasil. Quais são suas recomendações para o desenho de um bom contrato de PPP?

Fernando Vernalha Guimarães. Em rápidas palavras, eu apontaria alguns aspectos que me parecem relevantes para ampliar a eficiência da PPP. Como já disse, uma distribuição de riscos eficiente será um importante fator para que a PPP seja bem-sucedida. É preciso relacionar detalhadamente as contingências, alocando riscos de modo eficiente. Aliado a isso, um instrumento capaz de colaborar com a eficiência do ajuste é o sistema de remuneração por desempenho, desde que o seu funcionamento esteja baseado em procedimentos claros e imparciais para a avaliação das notas e dos níveis de serviço do parceiro privado. Geralmente, essa avaliação reserva-se a um auditor independente, que atua segundo padrões previamente estabelecidos. Além disso, todas as cláusulas econômicas devem estar bem definidas no plano do contrato, sempre com a clareza e objetividade necessárias e evitar dúvidas, o que sempre gera a ampliação dos custos de transação. Um outro ponto também de enorme repercussão nos custos transacionais incidentes na contratação é o das garantias oferecidas pelo parceiro público. É relevante em projetos de longo prazo como as PPPs agregar garantias efetivas ao parceiro privado – como a hipótese de um fundo garantidor, empresa garantidora etc. Isso alivia a insegurança dos interessados, ampliando a competitividade e reduzindo os custos de transação.

 

PPP Brasil. Uma prática que vem sendo bastante utilizada para a estruturação de PPPs é o denominado Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI)? Como você avalia os pontos positivos e os pontos negativos decorrentes da utilização do PMI?

Fernando Vernalha Guimarães. Na minha avaliação, o PMI é uma solução muito interessante. Possibilita às Administrações a absorção da expertise do setor privado para o desenvolvimento de projetos e soluções para os serviços públicos e de interesse coletivo. Bem operado, pode ser um caminho irreversível para a prática das contratações públicas no Brasil. Este sistema tornou factível uma situação que era muito comum na prática das Administrações, mas sempre repudiada sob a influência do dogma da Administração impenetrável: o interesse de prestadores em apresentar projetos, soluções eficientes e tecnologias às Administrações, assim como se passa com o mercado privado. Com o PMI, as Administrações podem alcançar maior eficiência no desempenho de suas atividades e de serviços disponibilizados a usuários. A ressalva que deve ser feita é em relação ao risco de captura pelo setor privado. Volto a dizer que um ponto fundamental para o sucesso deste instrumento está na qualificação dos quadros encarregados de operar o modelo.

 

PPP Brasil. Você considera que, nos últimos meses, há um clima de otimismo em relação às PPPs no Brasil? Ou seja, um maior interesse por parte do setor público e do setor privado com as PPPs?

Fernando Vernalha Guimarães. Vejo que as Administrações parecem estar retomando de forma vigorosa o recurso às PPPs. O tema voltou à moda após os anúncios dos pacotes de investimentos em infraestrutura e também na preparação da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016. Mas não é só isso. As Administrações passam a se dar conta de que, em muitos casos, serviços e obras podem ser integrados em projetos mais abrangentes, com economia de custos e ganhos de eficiência para as Administrações. Vejo que as PPPs (aqui refiro-me à concessão administrativa) passam a ser um figurino contratual interessante para integrar contratações que hoje se processam sob o regime convencional, de forma esparsa e desarticulada. Por outro lado, projetos de concessão que antes eram deficitários também ressurgem agora viabilizados pela aplicação da concessão patrocinada (espécie de PPP). Enfim, vivemos sim um momento ótimo para as PPPs. Acho que o recurso a esse modelo se expandirá nos próximos meses e anos.

 

PPP Brasil. Quais os principais desafios para que as PPPs possam contribuir com a maior qualidade e eficiência na prestação de serviços públicos no Brasil?

Fernando Vernalha Guimarães. Penso que o maior desafio para que as PPPs signifiquem uma solução prática de ampliação da qualidade e eficiência dos serviços públicos está no controle a ser exercido pelo Poder Público. É necessário articular um sistema de controle em que a Administração, por si e através das agências, possa desempenhar um adequado monitoramento dos projetos em execução, o que, em muitos casos, pode depender inclusive da criação de marcos regulatórios setoriais específicos. Para isso, será fundamental que os agentes que atuem na coordenação e fiscalização destes projetos sejam adequadamente preparados e qualificados, minimizando-se os riscos de captura pelo parceiro privado.

 

PPP Brasil. Um dos problemas enfrentados quando analisamos as experiências com contratos de longo prazo é o tema da renegociação e dos aditamentos contratuais. Você considera que há uma fronteira ou interação entre este tema e as normas contratuais sobre o equilíbrio econômico-financeiro? Quais os principais aspectos de um contrato de PPP devem ser analisados com cautela para que sejam minimizados os riscos de uma gestão contratual problemática?

Fernando Vernalha Guimarães. Os procedimentos de renegociação e aditamentos nos contratos de PPP têm sempre uma relação direta com a temática da tutela da equação econômico-financeira do contrato, o que, de resto, depende também da distribuição dos riscos no pano do contrato. Como já disse, numa PPP é importante repartir adequadamente os riscos entre parceiro público e parceiro privado. Quanto maior o detalhamento e a especificidade do catálogo de riscos, tanto mais segura será a gestão do contrato no que se refere às imprevisibilidades que podem instabilizá-lo. Mas é evidentemente impossível o estabelecimento ex ante de um catálogo de contingências futuras suficiente a evitar renegociações. Elas sempre ocorrerão em contratos de alta longevidade como as concessões de PPPs. Há uma imensa diversidade de fatores que podem influir nas renegociações. Tanto as características internas do ajuste (por exemplo: as concessões que funcionam sob o sistema de preços máximos - price cap - costumam gerar um número maior de renegociações do que as concessões baseadas em taxa de retorno - rate of return), como a influência de aspectos externos (a qualidade do marco regulatório) concorrem para a maior ou menos instabilidade dos ajustes. Talvez os principais pontos para evitar o excesso de renegociação estejam na eficiente repartição de riscos e na qualidade do marco regulatório do setor.

Já quanto à tutela da equação financeira do contrato, só é possível raciociná-la a partir da distribuição dos riscos no plano do contrato. Deve-se ter cautela para não se relativizar a distribuição de riscos sob o pretexto de promover o restabelecimento do equilíbrio financeiro do contrato. Os riscos que foram transferidos ao parceiro privado não devem retornar à Administração pela via da tutela da equação financeira.

Share this

Desenvolvido em Drupal por Garcia & Rodrigues