Artigo: PPPs para semáforos são o futuro do trânsito brasileiro

Em tempos de discussões concernentes à Resolução nº 414/2010 da ANEEL, que devolveu aos Municípios a responsabilidade para a elaboração e implantação de projetos, bem como a expansão, operação e manutenção das instalações de iluminação pública, a serem assumidas até o final de 2014, estão surgindo diversas ideias de projetos de Parcerias Público-Privadas (PPPs) para esse tipo de serviço público. Entretanto, há outro serviço relevante que guarda certa relação, em termos operacionais e infraestruturais, que poderia ser uma cereja nesse bolo: os semáforos.

Na realidade, a gestão de semáforos está em uma situação intermediária entre a modernização da iluminação pública e o uso cada vez maior de mecanismos de Intelligent Transportation System (ITS) – tendência que já expusemos na sua frente mais importante, o free flow, em outra ocasião (Free flow precisa de garantias jurídicas no Brasil). No País, no entanto, ele não pende para nenhum dos lados da moeda, e remanesce como uma atividade estatal típica, sem uma filosofia clara de modernização e gestão inteligente do sistema – as poucas iniciativas são os chamados “semáforos inteligentes” que existem em alguns cruzamentos de avenidas das grandes cidades. Mas basta um temporal de verão que varra para longe essa inteligência para que observemos o caos que se instaura no trânsito, com semáforos queimados e outros indicando vermelho e verde ao mesmo tempo – e desafiando os postulados básicos da lógica clássica. Aristóteles teria dificuldades para conduzir um veículo em uma grande cidade brasileira.

Semáforos (fornecimento) no Brasil são basicamente providos via licitação por pregão, e o sistema em si acaba sendo gerido por algum órgão ou entidade da municipalidade com a tecnologia/material adquirido. Projetos de PPPs para semáforos no Brasil é algo que não vem sendo cogitado nem ao menos em teoria: aqui, voltamos à questão se particulares podem ou não auxiliar o poder público municipal nessas atividades de limitação administrativa que envolvam tráfego e segurança viária (RoboCop precisará de credenciamento para atuar no Brasil).

A Europa já largou na frente nessa questão: muitas cidades têm PPPs com as mais diversas modelagens envolvendo semáforos e gestão de tráfego municipal. Faço a ressalva, no entanto, que estamos perpassando a discussão jurídica acerca da possibilidade de delegação da gestão do tráfego municipal (se é ou não indelegável, por envolver também aspectos relacionados ao poder de polícia municipal) para focar exclusivamente na questão da gestão tecnológica dos semáforos – essa sim plenamente viável por meio de uma PPP administrativa.

Um texto interessante de introdução à discussão, de origem internacional, é o de Hans Wilhelm Alfen e Andreas Leupold (Competition in the provision of traffic lights and possible consequences for the application of PPP-Models, 2010), no qual são coletadas e analisadas diversas informações com respeito às PPPs de semáforos em andamento na Europa. No Velho Continente, os sistemas de fornecimento e instalação apenas, em contraste com a manutenção, gestão e modernização, parecem coexistir de acordo com as peculiaridades de cada cidade. A premissa adotada pelos autores é a de que há poucos players no mercado de fornecimento, manutenção, gestão e modernização dos semáforos, o que exige um desenho inteligente na modelagem das PPP a fim de proporcionar uma alta competitividade no processo licitatório. Eles constataram que há, pelo menos, duas modelagens paradigmas de PPPs: o sistema berlinês (management PPP), da companhia SPE Stadtlicht GmbH, em que há a transferência da gestão e modernização, mas há a obrigação de subcontratar fornecedores e outros serviços afetos à operação – já que a PPP restringiu a participação de fornecedores de semáforos; um sistema “brunsviquiano” (operational PPP) , da companhia BELLIS, no qual há a transferência do fornecimento, gestão e modernização, de forma conjugada, juntamente com o serviço de iluminação pública – mas sem necessidade de modernização do sistema no começo do contrato.

Ambos os sistemas apresentam vantagens e desvantagens: enquanto a mescla fornecimento e gestão, mais iluminação pública, pode estimular o operador a perseguir com mais afinco a economia de energia e modernização do sistema – caso contrário, a economia de energia seria apropriada pelo Município, e não pela concessionária –, o management contract permite que o concessionário tenha poderes para negociar condições comerciais mais favoráveis diretamente com os fornecedores, apropriando-se dessa vantagem negocial (que o poder público não consegue por conta da necessidade de realização de licitação) no âmbito da PPP. Como conclusão, a matriz desenvolvida pelos autores leva em conta (i) a necessidade de conjugação de produtores e fornecedores no processo (ou seja, joint ventures),com (ii) a definição do nível de modernização dos semáforos a ser perseguida no início do contrato de concessão.

No Brasil, aparentemente, esse problema não se replicaria: a tendência em qualquer PPP que envolva tecnologia e inovação, fornecimento, gestão, operação e obra pública é a de formação natural de joint ventures entre players com capacidades e competências diversas, efeito benéfico que poderia ser facilmente viabilizado pelo poder concedente por meio da definição dos requisitos técnicos no edital de convocação. É o que aconteceu, por exemplo, nas licitações para o setor aeroportuário, cujos instrumentos convocatórios exigiram comprovações de experiências em vários setores econômicos, o que incentivou a junção de players diversos por meio de consórcios.

Algumas cidades europeias passaram a modelar PPPs de iluminação pública nas quais o serviço de gestão de semáforos também estava incluído dentro do objeto do contrato de concessão (esse parece ser um modelo típico francês, adotado, por exemplo, em Valenciennes e no consórcio das regiões administrativas de Savigny-le-Temple e Nandy). Já no modelo indiano de PPP, o enfoque é na gestão automática de sinalização, como o ocorrido em Gandhinagar e Mangalore.

Aqui, enxergo que emergiriam dificuldades práticas – muito embora não seja impossível juridicamente – a gestão integrada dos serviços públicos de iluminação pública e de inteligência e gestão de semáforos, dado que, geralmente, são competências bem definidas de secretarias distintas (Secretaria de Trânsito versus Secretaria de Serviços) em qualquer Município brasileiro. Talvez o desafio político de unificar essas competências seja maior (e mais demorado) do que se conceber uma PPP para cada um dos flancos de forma apartada – mas com contratos que se intercomunicam.

Nesse sentido, a natural retroalimentação entre iluminação pública e gestão de tráfego remanesce, mesmo que regido contratualmente por instrumentos diversos, trazendo um diálogo saudável na gestão pública municipal. Os ganhos em uma PPP de gestão de semáforos que tenha como objetivos a gestão inteligente com base na filosofia ITS, a economia no consumo de energia e a modernização e aplicação de tecnologia de ponta seriam expressivos – e algo sem precedentes para qualquer gestão municipal. Semáforos alimentados por energia solar, por exemplo, podem ajudar a reduzir o consumo de energia elétrica, e evitar o elevado número de “blackouts” que assolam nos Municípios brasileiros – sem falar no incentivo de utilização de uma fonte de energia totalmente sustentável. Semáforos de LED são uma realidade no resto do mundo – e poderiam ser um dos nortes de qualquer PPP. E os semáforos inteligentes, que digerem milhares de informações de tráfego e auxiliam a desafogar o trânsito nos horários de pico, igualmente poderiam ser mais recorrentes em uma boa modelagem de PPP. Na questão operacional, parece que o uso da fibra ótica e o processamento de informações meteorológicas e de trânsito, bem como imagens de tráfego em tempo real, sejam tendências tecnológicas a serem consideradas. Enfim, algumas hipóteses estão lançadas para que possam ser testadas dentro de cada realidade municipal, sem prescindir da análise da condição peculiar de cada Município do País.

O futuro reserva-nos a produção cada vez maior de veículos conectados à Internet, os quais fornecerão informações real-time a respeito do trânsito e outras condições de tráfego para a gestão municipal – o Waze, um aplicativo de celular que se vale dos princípios do ITS, está aí para plantar essa semente. A tendência tecnológica parece se coadunar plenamente com um projeto de PPP que estimule cada vez mais essa sinergia, sem subtrair a competência pública na gestão de tráfego municipal – o que pode ser uma questão tormentosa em qualquer ideia de PPP que envolva esse setor. Contudo, se a ideia de PPP não agradar os gestores públicos municipais (ou não for viável juridicamente) em um curto prazo, nem o Wazenos salvará dessa avalanche de veículos que soterra as avenidas brasileiras. A solução vai ser contratarmos a Corina, a babá interpretada por Whoopi Goldberg em Corina, Uma Babá Perfeita (1994) para assoprar os semáforos vermelhos e deixá-los verdes enquanto estivermos dirigindo...

 

(Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações).

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