Artigo: Falta o espírito animal ou falta o espírito, animal?

Uma boa parte das análises sobre o que deve ocorrer com a economia nacional a partir de 2015 acena com a necessidade de que se criem condições para que se desperte o decantado “espírito animal” daqueles que fazem o produto crescer via o investimento.

Notadamente na área da infraestrutura, nó de pinho de boa parte das mazelas que hoje seguram (sic) a economia nacional.

Afinal, se as condições da conjuntura não melhorarem – o que torna as “condições da conjuntura” um “bem intangível” a ser suprido pela política econômica do governo – não se pode esperar senão pela recessão, pela deflação, pelo desajuste dos preços relativos, e por aí vai...

Com uma economia com R$ 5 trilhões e pouco de PIB; que a cada ano drena uma carga tributária bruta a partir de um dos mais iníquos e regressivos perfis fiscais equivalente a quase R$ 2 trilhões deste mesmo PIB; um mercado financeiro que movimenta via Bolsa outros R$ 50 bilhões ao dia, afora girar sob a forma de crédito outros quase 60% deste mesmo PIB (ou algo como R$ 3 trilhões); que possui como meio de pagamento ampliado (M4 ou moeda + outros ativos financeiros) um total de R$ 5,4 trilhões; uma população de mais de 203 milhões de pessoas; com um perfil de distribuição de renda desigual que gera demandas reprimidas por uma infinidade de bens e serviços (entre eles os bens e serviços de infraestrutura econômica e social, que elevam o custo Brasil de várias e recorrentes formas); enfim, com todos estes meios e perfis, custa a acreditar que falte “espírito animal” para tirar “uma casquinha” de quaisquer das várias oportunidades que se abrem para atrair, investir e reproduzir capital nesta economia que oscila como sendo a 8ª ou a 7ª economia do planeta.

O que falta, então, para despertar, manter e ampliar o espírito animal de nossos empreendedores?

É bem verdade que boa parte do mundo, desde 2008, amarga perdas e dificuldades que não isola ninguém de restrições de demanda ou de oferta; e que desaguariam no que se poderia chamar de um mundo “cor de rosa” para se investir desde em plantas industriais complexas, em start ups geniais ou até mesmo no “puxadinho” que se pretendia fazer, assim como na aquisição ou na troca de bens duráveis das pessoas.

Condições ótimas de temperatura e pressão (tal como requerido nos experimentos em laboratórios ou nas planilhas que sustentam modelões de negócios, o que no limite parece ser a mesma coisa...) são por óbvio desejáveis: mas, aí, se forem iguais e perfeitas para todo o mundo, o que diferenciaria o propalado espírito animal (e suas ações) de um ou de outro agente empreendedor?

Ou seja, a tal “oferta do produto intangível” suprida pela política econômica e pelo Governo de plantão, parece ser uma condição irrecorrível: ou seja, o que muitos podem chamar de “confiança”, “credibilidade”, ou de um bom “ambiente de negócios”.

Mas, se geralmente, os governos atrapalham, o que se quer dizer ou “como” se materializa esse ambiente tido e havido como fundamental, para provocar as ações mais primitivas da busca pelo empreender e inovar?

Embora se possa “puxar” por uma ou outra ponta, a identificação de uma necessidade não atendida em sua plenitude parece sempre ser o ponto de partida (inclusive nos chamados bens e serviços de infraestrutura, atendidos pelas concessões e PPP): em São Paulo, há pouco mais de ano, era visível o deslumbramento de investidores estrangeiros em mobilidade sob trilhos, quando após se lamentarem dos resultados de um modal francês, ouviram que apenas (sic) uma das novas linhas do modal da cidade estava antecipando em 2 para 3 anos o volume transportado ao dia de passageiros estimado, dada a elevada demanda de mobilidade reprimida.

É a mesma estupefação quando se fala dos indicadores de demanda reprimida em áreas como atendimento de baixa média ou alta complexidade na saúde; ou do esgotamento sanitário em muitas cidades médias e grandes; ou de oferta por serviços de creches, ensino fundamental ou médio, e tantos outros mais.

Se há demanda reprimida e se sabe bem prover o atendimento, o que mais faltaria?

Em outra ocasião, empresários europeus de países que se imaginava fiscalmente equilibrados, estranharam que o governo brasileiro não pagasse antecipadamente pelo (usuário. dia) que utilizasse os bens e serviços de infraestrutura econômica ou social a serem criados nas concessões e PPP (antes mesmo da fruição dos ativos e não ao contrário, como acontecia no exterior): para eles, que adiantavam recursos próprios (de equity, preferencialmente, e de dívidas, apenas subsidiariamente), era de certa forma impensável o endividamento das empresas antes que o Poder Concedente adiantasse os recursos espelhados pela demanda que se estaria a prover, com a maturação dos investimentos.

Aliás, é por isso que também estranhavam que se exigissem índices contábeis de liquidez tão altos, quando o natural para quem investe e tem a receber em longo prazo em seus países (como no caso das concessões), fosse exatamente o contrário... Ou garantias reais quando nas PPP (notadamente) o que vale são os serviços de operação. E operadoras não possuem ativos, pois costuma dar como garantia os recebíveis das concessões e, em colateral, seguros garantia ou seguros de performance de suas operações...

Para não dizer que eles achavam descabido exigir garantias antecedentes do poder público (que lá fora, ainda era um setor líquido), para deixar confortáveis os financiadores dos projetos. Ainda mais porque os recursos de financiamento de projetos de concessão no Brasil são públicos, lastreados em poupança parafiscal (BNDES). E que isto se fizesse antes da fruição dos investimentos a serem realizados para gerar as contraprestações ou rendas diretas dos ativos concessionados, ao contrário do que ocorria em seus países de origem, gerava espanto aos empreendedores externos.

Dai o que está a acontecer agora, com o anunciado fim (mas, ainda, não formalizado institucionalmente e nem mesmo implementado operacionalmente), das diferentes formas, meios e modos do que se convencionou chamar de “patrimonialismo” no uso dos recursos públicos.

Há empreendedores que até então encarnavam o tal do “espírito animal” que ecoava gutural até em seus perfis nas redes sociais e que, agora, renegam que tenham que colocar mais recursos próprios (como equity), em operações financiadas pelo BNDES e pelos demais bancos públicos. Ou que tenham reduzidos, por inexistentes ou gravosos, os recursos do Tesouro Nacional, que lhes reduzia o custo nos Programa de Sustentação de Investimentos (PSI) do mesmo BNDES, a estimular a renovação das frotas de ônibus e caminhões ou de máquinas equipamentos seriados.

O atual ministro – que a bem da verdade, antes do aval e da comunicação final da presidente, apenas tem antecipado propostas e sugestões que ainda não se materializaram em decisões e ações diretas do governo que o empossou –, foi ainda mais além e lancetou outros empreendedores que, ao levantar recursos para expandir suas redes de ensino através de fusões e aquisições, elipsavam o risco de crédito de suas operações, com o uso dos recursos do Tesouro Nacional, uma vez que eram os bancos públicos com recursos do Tesouro que pagavam entre 70% a 80% das mensalidades de seus alunos privados. E, quando seus cursos terminavam, eram estes bancos públicos a quem se deveria repagar a dívida gerada pelo ensino.

E, tal como no caso dos recursos do BNDES (mas não apenas no caso do BNDES), na falta da poupança primária do governo, o Tesouro captaria em SELIC o que cobraria depois, em taxas subsidiadas, pelo crédito educacional que pagava duas vezes, na ida (para os empresários) e na volta (dos alunos já formados).

Falta de alternativa?

Ora, desde há muito, empresas e empreendedores formaram boa parte de suas universidades coorporativas ou entidades assistenciais ou de pesquisa ou de terceiro setor, com base em – estes sim – estímulos que não oneravam desta forma a economia: do total do resultado bruto operacional (pós EBITDA, pois, ou seja, depois de adicionar valor à economia), se pode retirar até 2% deste montante para estimular a educação formal e as atividades do chamado terceiro setor (isto sem falar no que se pode fazer APÓS a apuração do imposto a pagar, em áreas como as artes, esportes, fundos de criança e adolescente, e daí por diante).

Só a lista das 1,000 maiores empresas, num cálculo grosseiro, poderia financiar por ano 125 cursos de 5 anos com ticket médio de até R$ 3 mil reais ao mês!

Faltam opções ao crédito (oficial ou não) para infraestrutura, ensino, setor elétrico e daí por diante?

Existem mais de 15.000 Fundos Financeiros e de Investimentos (que possuem mais de R$ 3,5 trilhões em patrimônio) e que estão a girar com lastro majoritário dos papéis da dívida do governo, na economia: se o governo “adernar” ou se por geração espontânea (ou não) os juros abaixarem, descasam-se ativos e passivos e este manancial de recursos vira pó!

Este é o “dinheiro” ideal para se financiar um ciclo de investimentos virtuoso, notadamente nas áreas de infraestrutura: o empreendedor mede o risco quando calcula o EBITDA (tal e qual o gestor fiscal prudente olha o superávit primário): se antes dos impostos bestiais e do custo de capital de terceiros tomado como dívida (BNDES, debêntures) não se paga o risco do investimento, ele não incorpora nenhum espírito, animal ou não.

Ele sabe que a conta a fazer é quanto ele mesmo cobraria para colocar o seu capital pessoal em um projeto de infraestrutura ou não (e que é sempre bem maior do que o custo da TJLP efetiva que financia seus projetos): a diferença está entre dividir (com sócios) ou apropriar (sozinho), o ganho alavancado que o patrimonialismo via BNDES gera; ou pagar o preço justo para atrair capitais de fundos e de acionistas, como o dele mesmo, que só se suporta quando os projetos geram EBITDA efetivo que os sustentem ao longo do tempo.

Enfim, há que se fazer (também) uma biópsia deste tão propalado quanto decantado espirito animal do empreendedor inovador: aliás, “empreendedor e inovador”, são como que um DNA de comportamento do qual deveria estar impregnado todo o gestor de dinheiro: a começar dos gestores dos recursos do governo, do grande empresariado ao criador de start ups, passando pelos micro e pequenos produtores e profissionais liberais, e os donos de poupança livre, voluntária, a esperar o momento ideal para fazer seus “puxadinhos”.

Se depender apenas do governo para empreender e inovar, falta o espírito de empreender, animal. E não o contrário...

(Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações).

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