Artigo: Estádios da Copa, contratos públicos e melhor uso de recursos públicos

Um tema que vem sendo amplamente debatido na imprensa brasileira envolve as responsabilidades do poder público em relação aos preparativos para os grandes eventos esportivos que, em 2014 e 2016, serão realizados no Brasil.

Há preocupações sobre aeroportos, mobilidade urbana, turismo, segurança pública, enfim, um amplo leque de tópicos cujos contornos concretos definirão a imagem do Brasil perante o mundo. Alguns desses temas demandam maior participação do poder público do que outros, mas, de qualquer modo, é inegável que o poder público tem um papel essencial para a boa condução dos eventos esportivos.

No que diz respeito à Copa do Mundo, o tema dos estádios de futebol desponta como um dos mais recorrentes. O Ministério Público e os Tribunais de Contas estão dedicando bastante atenção ao modo como os contratos públicos para as reformas dos estádios, celebrados entre os Estados e a iniciativa privada, foram licitados e estão sendo geridos. Após uma rápida pesquisa, é possível encontrar diversas referências na imprensa escrita a respeito de eventuais superfaturamentos, aditamentos contratuais e atrasos no andamento das obras.

Dos 12 estádios que serão utilizados na Copa do Mundo, nove são estádios públicos. A Matriz de Responsabilidades da Copa, assinada em 13 de janeiro de 2010 entre os governos federal, estaduais e municipais envolvidos com o evento, definiu que as obras dos estádios públicos seriam de responsabilidade dos Estados.

Tendo em vista a necessidade de satisfazer suas obrigações, os nove Estados onde estão localizados os estádios públicos decidiram como seriam executadas as reformas necessárias para adaptar os estádios aos padrões exigidos pelos organizadores do evento.

A análise das decisões dos Estados sobre a execução destas obras revela um ponto ainda pouco explorado no debate sobre o tema: cinco Estados optaram por celebrar parcerias público-privadas (PPPs, na modalidade concessão administrativa) e quatro Estados optaram por celebrar contratos tradicionais com a iniciativa privada (contratos de empreitada). A pergunta ainda não feita é: como foram pautadas e quais foram razões subjacentes às tomadas de decisão dos Estados tendo em vista a existência de no mínimo duas possibilidades de contratação existentes (PPP e contrato de empreitada)?

As PPPs são instrumentos relativamente novos na administração pública brasileira e o país ainda está consolidando sua experiência com esta modalidade de contratação. Já os contratos de empreitada representam a modalidade tradicional por intermédio da qual a administração pública contrata as obras e a prestação de serviços de que necessita.

As experiências internacionais de sucesso envolvendo as PPPs indicam que esta modalidade de contratação gera mais eficiências ao poder público, apresentando um baixo índice de renegociação de preços e cronogramas entre o setor público e o setor privado. Sendo assim, ao menos em tese, permitiriam que os estádios da Copa do Mundo fossem reformados ou construídos no tempo exigido e com o menor uso de recursos públicos.

Já os contratos de empreitada seriam mais suscetíveis às renegociações de preços e cronograma entre as partes, sendo, em tese, uma modalidade de contratação menos recomendada para as reformas dos estádios brasileiros.

Ao gestor público, em resumo, não se permite escolher uma modalidade de contratação sem que apresente seus motivos. Há que se justificar não apenas a modalidade escolhida, mas também os porquês envolvendo a inviabilidade de que a necessidade pública fosse contratada por intermédio das outras modalidades de contratação ao dispor do gestor.

O caso da reforma do Maracanã é um exemplo interessante para um exercício crítico a respeito das tomadas de decisão dos governos estaduais sobre os estádios da Copa do Mundo. Inicialmente, o governo do Estado do Rio de Janeiro pareceu ter decidido por uma parceria público-privada para viabilizar as reformas. Entretanto, a opção pela PPP foi deixada de lado em algum momento de 2009. A modalidade de contratação escolhida acabou sendo o contrato de empreitada tradicional.

Recentemente, o governador do Estado do Rio de Janeiro manifestou-se no sentido de que, em 2012, após a realização das obras no estádio (contratadas via empreitada), há o interesse de conceder a operação e a manutenção do estádio à iniciativa privada. Este encadeamento de decisões, entretanto, gera certo estranhamento, que não decorre de nenhuma opinião contrária à “privatização” do Maracanã (mesmo porque não há nada mais incorreto do que comparar uma PPP à privatização...). A crítica a ser feita é outra.

Por que não se realizou uma concessão desde o momento zero? O que justifica, do ponto de vista do melhor uso de recursos públicos, conceder o estádio à iniciativa privada depois que as reformas já estiverem feitas?

Um dos pontos mais positivos da PPP é a possibilidade de que o parceiro privado fique responsável pela gestão do ativo público durante grande parte de seu ciclo de vida: construção, operação e manutenção (ao fim do prazo de vigência do contrato, os bens retornam ao controle do poder público). Nas PPPs, portanto, o parceiro privado tem incentivos para escolher o modo mais eficiente de executar a construção (reforma, no caso), levando em consideração que será também o responsável pela operação e manutenção da infraestrutura construída pelo prazo da concessão.

O parceiro privado na PPP tem certa liberdade para tomar as decisões mais eficientes e o limite para esta liberdade é a obrigação contratual de respeitar os indicadores de desempenho dos serviços que prestará durante todo o prazo de vigência do contrato (sua remuneração dependerá dos resultados que alcançar).  

Entretanto, na medida em que o governo do Rio de Janeiro já tomou as grandes decisões sobre a reconstrução do estádio, a tendência é que sobre pouco espaço para que o parceiro privado, se for realizada a licitação da concessão do estádio, imprima as eficiências que seriam possíveis se a ele fosse dada a oportunidade de pensar a gestão do estádio de modo global (reformas, operação e manutenção).

Ao Estado do Rio de Janeiro cabe, portanto, explicar por que as decisões que tomou implicam no melhor uso de recursos públicos. Ou seja, seria importante uma explicação a respeito da não implementação de uma PPP envolvendo as reformas, a operação e a manutenção do Maracanã.

Esta explicação, entretanto, não é apenas um dever do Estado do Rio de Janeiro. Trata-se de um dever de todos os 9 governos estaduais que estão implementando as reformas dos estádios da Copa do Mundo, quer seja por contrato de empreitada, quer seja por um contrato de PPP (concessão administrativa). Tais escolhas revelam estratégias diferentes de se buscar a satisfação de um dever do poder público e, em função disso, merecem ser justificadas de modo comparativo, tendo como foco a escolha de uma modalidade de contratação que implique em gastos públicos que tragam maior valor para a sociedade. 

Na medida em que os Estados tomaram suas decisões, poderemos, agora, ter exemplos nacionais envolvendo uma saudável “competição” a respeito de qual será a modalidade de contratação mais eficiente e que implicará no melhor uso de recursos públicos (ao menos no que diz respeito às reformas dos estádios).

Aos Estados, restará a defesa de seus respectivos modelos de contratação; aos órgãos fiscalizadores, documentar o modo como as licitações foram organizadas e como os contratos vêm sendo geridos (punindo eventuais ilegalidades); à academia, caberá a função de analisar essa “competição” entre as PPPs e os contratos de empreitada.

O que todos esperam é que a administração pública brasileira seja responsável por suas decisões e, no curto prazo, incorpore os aprendizados delas decorrentes. Que vença o modelo de contratação que implique no melhor uso de recursos públicos.

 

(Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações).

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