Artigo: Os dentes do siso, a “lipoaspiração” do rentismo e os Fundos de PPP

Em fevereiro de 2012, o Plano Real fez 18 anos: completou a maioridade legal, mas ainda carecia sinalizar se já havia alcançado a maioridade funcional metaforicamente retratada pelo nascimento de pelo menos um dos quatro dentes do siso, que normalmente aparecem entre os 16 e os 20 anos de idade.

Como estes “dentes do juízo” vieram perdendo função desde a época das cavernas – onde davam notável contribuição para desossar via tração bucal quaisquer iguarias ou sobras da perversa cadeia alimentar reinante – e antes que o degustador virasse ele mesmo objeto da degustação que desfrutava – hoje em dia em muitas pessoas os dentes do siso ou demoram a despontar ou sequer irrompem justificando sua extração quase sempre igualmente feroz e sanguinária.

Pior: se a lenda em torno dos “terceiros molares” é recorrente, há quem tema que o seu virtual desaparecimento possa indicar que o “juízo” que eles tinham o condão de desabrochar pode sumir junto com eles e fazer o mundo retornar às priscas eras trogloditas, (para alguns) de tão saudosa memória...

Esta pequena (e por certo imperfeita) digressão sócio-odontológica tem a ver com as recentes medidas que finalmente parecem pelo menos indicar que se fará, por fim, a lipoaspiração final do rentismo que substituiu com peculiar eficácia e perversidade todos os mecanismos de indexação criados e multiplicados com a sofreguidão que as taxas de inflação medidas em r.p.m. requeriam na conturbada conjuntura que antecedeu a implantação do Plano que este ano é “de maior”.

Com efeito, a firme decisão de reduzir o juro real não resistiu sequer ao dogma de não se mexer no vespeiro das regras da poupança em ano de disputa eleitoral assim como parece não estar se intimidando com a reação da banca ao repto da redução dos spreads.

Esta, usando um desastrado bumerangue, primeiro, procurou pendurar o guizo dos altos juros à própria sanha arrecadadora do Estado coadjuvada por uma elevada propensão marginal a inadimplir por parte da manada tomadora de recursos a módicos 9% a 13% de juros nominais ao mês (ou a bagatela de juros reais do modesto patamar de 170% a 310% ao ano) sem bem explicar também se o excitado patamar de calotes se dá por ineficiências na seleção dos riscos ou pela incapacidade de pessoas e empresas gerarem taxas de retorno reais de suas atividades em escala tão medíocre entre meros 5% a 25% reais ao ano!

Não obstante um primeiro desconforto, talvez em ato falho, tentou escoicear a corrida por portabilidade de contas e juros, sofismando com o dilema eqüino com sede e da oferta de crédito que, com a reação dos dois maiores bancos privados, acabou por travestir o cavalo de vaca e a poça de água em brejo.

Embora irresistível este enfoque neo-fisiocrata associado à lipoaspiração dos juros como indexador informal da economia – que praticamente aboliu as vendas à vista entre empresas e seus consumidores e entre compradores e seus fornecedores e empanou a produtividade, adiando inovações e atrasando mudanças de tecnologia e processos que sempre significariam ganhos reais de operação menores do que os ganhos do rentismo obeso dos juros do rentismo – vem sinalizando há quase pelo menos metade dos 18 anos do Plano que um dia chegaria onde ou a produção seria de tal forma onerada pelo rentismo que seria preferível importar a produzir internamente ou seria melhor a locupletação total pelo rentismo, transformando empresas em bancos e vendedores em “pastinhas” do setor financeiro. Em velocidade tão maior quanto maior fosse o impacto do cambio valorizado (até pelas altas taxas reais de juros).

Porém os dois subprodutos mais notáveis dessa disfunção alocativa que privilegiou endogenamente o ganho do rentismo aos ganhos de produtividade da operação (até mesmo bancária) – como os ganhos da indexação o fizeram exogenamente nos anos anteriores ao Plano Real – foram, de um lado, a manutenção de uma expectativa de ganhos sobre os investimentos realizados como se ainda prevalecesse o cenário inflacionário crônico (cenário esclerótico) ou que sublima e não reconhece as alterações de transformações consistentes como o grau de investimento alcançado, as alterações no cenário real e de liquidez externa (cenário esquizofrênico).

De outro, é que a grande massa de liquidez existente no país (e fora dele), calcada em poupanças institucionais com intensa e nevrálgica componente atuarial a ser observada, é como um iceberg à procura de um Titanic em tempos de mudanças climáticas acirradas.

Ou seja, aqui como no mundo afora, esse iceberg de liquidez lastreada em regulação atuarial ou tem virado pó de gelo quando aplicado em fundos ou em derivativos que fizeram a crise de 2008 ou está se liquefazendo no capital de fundos que compram ações de bancos que estão sendo engolfados pelos calotes consentidos das renegociações de dívidas e em planos de socialização de perdas financiadas por poupanças fiscais e por essas fontes de poupança de regulação atuarial (de fundo de pensão e de seguradoras e outros mecanismos de hedge) – ou, ainda, estão se fissurando por carregar ativos de renda fixa, variável ou ativos “de raiz” que estão sendo silenciosamente drenados pela queda de papéis selicados em rápida decomposição ambiental.

Lá como cá, quando a curva de maturidade dos resgates for superior à das entradas (e às de capitalização pela insustentabilidade das aplicações realizadas), o desastre ambiental poderá ser inexorável.

O que toda esta neo-fisiocrática abordagem (cujas digressões por certo devem estar contaminando o articulista) tem a ver com as PPP?

Ora, em muitos casos, na estruturação das PPP boa parte dos agentes do governo (parceiros públicos) assim como boa parte dos futuros aspirantes das concessões administrativas ou patrocinadas, estão focados nos cenários fisiocráticos acima delineados.

Não caiu ainda a ficha para muitos formuladores (MIP) assim como para muitos propositores (PMI) que o mundo mudou: e que embora na raiz as PPP sejam formas mais especializadas (e, um dia, quem sabe, até mais evoluídas) de concessão, o que gera mais valor a elas é a primazia na estruturação do OPEX. E não a primazia na estruturação do CAPEX (como nas concessões plenas).

E que embora até pela bem sucedida realização das operações de concessão plena nossos formadores tradicionais e convencionais de CAPEX sejam mestres na agregação de valor pelo lado dos gastos de capital, ainda precisamos amassar muito barro para nos tronarmos (com ou sem a agregação das expertises internacionais) bons operadores na geração de valor via a prestação de serviços nas nossas modelagens de PPP.

E que o perfil (e expectativas) dos formadores de CAPEX não são os mesmos dos formadores de OPEX. O que é ótimo que assim seja para um e para outro.

Certamente isso enseja ou o amadurecimento convergente de ambos – e do setor formulador e regulador das PPP para entronizar e ajustar essas dicotomias inclusive nos pré-requisitos de eleição de editais e contratos de concessão a serem firmados – ou – mas não de forma excludente – o aparecimento de outras estruturas de financiamento capazes de transformar formadores de capital e executores de operação em contratados dos fornecedores de liquidez para as PPP.

Uma boa provocação seria a articulação de Fundos Setoriais de PPP: até para absorver parte significativa da liquidez que verte das fissuras de Fundos de Pensão e de outras fontes sob regulação atuarial que já está a algum tempo fazendo água com a queda cada vez mais eloqüente da SELIC (e da lipoaspiração final do rentismo obeso).

Até porque, uma carteira de fundos de PPP, ofereceria aos adquirentes de suas cotas uma situação peculiar.

Primeiro (mesmo nas PPP a performar mas já adjudicadas): cada cota tem um lastro real que gera retornos anuais de face da ordem entre 6% a 8%, por exemplo, mas que ao se considerar alavancagens de implementação e economias geradas pelas operações, chega a 13% a 17% ao ano ou mais.

É pouco, nos cenários escleróticos e esquizofrênicos, quem aplica R$ 100 a 6% ao ano depois de 15 anos tem seus reais dobrados e mais R$ 39 de bônus de ganhos, Se a aplicação render 8% ao ano (como a TIR de face, sem ganhos de CAPEX e OPEX afora alavancagens, ganhos de logística, economias de escala entre outras) nos mesmos 15 anos tem seus R$ 100 reais dobrados e mais R$ 117 de bônus.

Afora isso, tem a liquidez de resgate das cotas lastreado em contraprestações mensais pagas por setor público em níveis que não afetam a Lei de Responsabilidade Fiscal ou comprometem mais do que 3% da Receita Corrente Líquida do ano base fiscal anterior.

E mais, um duplo colateral: o Fundo Garantidor e – claro – a garantia de regeneração genética do mesmo em caso de utilização das reservas de garantia provisionadas na forma de Lei das PPP.

Se adicionarmos á carteira do FUNDO, PPP já originadas, a diferença entre os ganhos do projeto e do negócio serão maiores ou menores em função do deságio que se pode negociar para saídas de parceiros privados que efetivamente desejem sair dos riscos de operação e buscar novas fontes de rentabilidade (desde que decidamente ancorados nos documentos legais dos contratos de concessão e sob a anuência do poder concedentes).

 

(Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações).

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