Artigo: O papel dos fundos (garantidores ou não) nas PPP Municipais

A utilização de Fundos enquanto instrumentos das PPP é assunto que comporta várias abordagens: a mais visível é a que diz respeito à criação de Fundos Garantidores (ponto sensível, notadamente no âmbito municipal, onde são menores as possibilidades de “criar” mecanismos de contra garantias às contraprestações das PPP).

Enquanto instrumentos de garantia, a Lei 11.079 no Capítulo III, Artigo 8º, estabelece que, ao se estruturarem operações de Parcerias Público-Privadas (PPP), o Parceiro Público deve prover a constituição de Garantias (ou de Fundos Garantidores) lastreadas em:

I – vinculação de receitas, observado o disposto no inciso IV do art. 167 da Constituição Federal;

II – instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei;

III – contratação de seguro-garantia com as companhias seguradoras que não sejam controladas pelo Poder Público;

IV – garantia prestada por organismos internacionais ou instituições financeiras que não sejam controladas pelo Poder Público;

V – garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal criada para essa finalidade;

VI – outros mecanismos admitidos em lei.

Em todos esses incisos, mobilizam-se Modelos de Garantia para ancorar as Contraprestações que serão resultantes das PPP (Administrativas ou Patrocinadas) – ou seja, em parcela do montante de recursos que o poder público pode comprometer anualmente para custear os pagamentos aos Parceiros Privados que forem Concessionários das PPP estruturadas – e que devem observar o limite global de comprometimento do orçamento público que é de 3% (três por cento) da Receita Corrente Líquida apurada no ano anterior da execução dessa modalidade de financiamento de investimentos.

No primeiro inciso, trata-se de mobilizar recursos que não tenham origem tributária (como impostos correntes) e que não se constituam em fontes de endividamento para o setor público: é o caso de receitas que o Poder Público recebe de fontes não tributárias, tais como:

 

  • Royalties ou assemelhados (advindos da exploração de petróleo, dos recursos de mitigação de impacto da construção de usinas de energia ou de outros grandes investimentos com impacto sobre a economia e o meio ambiente, ou da exploração de reservas minerais, através da Compensação Financeira pela Exploração Mineral, CFEM)
  • Direitos de uso de bens públicos (outorgas de concessões, rendas de cessões de uso onerosas, rendas de permissão de uso ou os Certificados de Potencial Adicional de Construção, os CEPAC)
  • Direitos de passagem (pagos por concessionárias de serviços públicos de infraestrutura tais como direitos de passagem de fibras óticas, direitos de uso de malha rodoviária – ferroviária – fluvial, ou cessão de direitos de exploração de rios, barragens e eclusas)
  • Eventuais receitas ligadas ao setor – alvo da PPP (no caso da saúde, do tipo, parcela dos recursos recolhidos pela utilização dos ativos públicos da saúde estadual ou municipal, pelo uso desta rede por operadoras de saúde privadas ou por operações contratualizadas com o setor privado, e assim como as taxas de luz, lixo e, agora, sobre a emissão de resíduos sólidos para preservação do meio ambiente)
  • Outros recursos para orçamentários (como as receitas de fundos criados para fins específicos como os Fundos Especiais do Judiciário, calcados nos pagamentos das chamadas serventias judiciais, ou os FERJ)

 

No segundo inciso, trata-se da criação de Fundos Especiais, que tenham ou não origem no Orçamento Público, criados a partir de dotações específicas por meio de autorização das casas legislativas (federal, estadual ou municipal) cujo destino se destine explicitamente ao pagamento das Contraprestações Anuais derivadas da execução de PPP (Administrativas ou Patrocinadas).

No terceiro e quarto inciso, tratam-se de operações de Seguro Garantia ou de Fiança – provido por Seguradoras ou instituições nacionais ou internacionais que atuam provendo coberturas de natureza securitária ou mecanismos colaterais de fiança financeira ou para financeira, através da assunção dos riscos da execução das PPP em nome dos Parceiros Públicos, com direito de regresso contra os entes públicos no caso da ocorrência de sinistralidade (o que acarreta ao Poder Público o comprometimento de margens de endividamento na Lei de Responsabilidade Fiscal ou LRF, de forma a garantir a eventual liquidez para execução das garantias/fiança).

No quinto inciso, trata-se de constituir empresa onde o Poder Público seja majoritário e que possua bens e diretos constitutivos de seu capital social que possa servir de lastro garantidor às Contraprestações derivadas da estruturação de PPP (Administrativas ou Patrocinadas). Ou seja, com lastro no seu capital – onde se arrolam ativos reais, ativos mobiliários ou se capitalizam direitos creditórios com legítimos efeitos comerciais, pode o Parceiro Público inclusive ser avalista ou fiador das PPP, sem que a margem orçamentária de 3% das Receitas Correntes Líquidas das PPP seja utilizada.

Ainda neste quinto caso, a constituição de Fundo Garantidor Específico deverá atender á legislação de Fundos de Investimentos emanada da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). {Até agora a CVM só autorizou a criação do FUNDO GARANTIDOR FEDERAL: nada impede o “aluguel” de cotas deste Fundo, gerido pelo Banco do Brasil, como propõe a Frente Parlamentar de Infraestrutura como alternativa de mobilização de garantia pelos parceiros públicos estaduais e municipais que não disponham de “lastro” suficiente para constituição de seus próprios mecanismos de garantia ás PPP}.

Quanto ao sexto inciso – de outros mecanismos admitidos em lei – os entes públicos interessados em constituir mecanismos de garantias lastreadores de PPP podem lançar mão de diversos mecanismos, realçando as características de segurança que são os principais atributos de mecanismos desta natureza.

Tão importante quanto à liquidez do mecanismo escolhido – é a garantia de sua pronta e integral reposição em caso de uso do mecanismo garantidor. Por exemplo:

01.    A PPP da Saúde em SP: Constituiu um Fundo de Investimento Financeiro (FIF), segundo regulamentação da CVM, que permite a caução de cotas deste Fundo para contra garantir as Contraprestações previstas na PPP da Saúde. A reposição de eventual uso do FIF é garantida pelos rendimentos financeiros (juros) – de natureza não fiscal, portanto –, derivados da rentabilização dos saldos de caixa da Prefeitura no banco que centraliza suas disponibilidades.

 

02.    As PPP da Saúde em Minas Gerais instituíram como Garantia parte da receita que a prefeitura recebe da companhia de águas estadual (COPASA) por força da prestação exclusiva de serviços de água e esgoto. No caso de uso da Garantia, a reposição é automática pelos saldos de recebimento a vencer do referido fluxo.

 

03.    Neste sentido, recebíveis de quaisquer naturezas, com legítimos efeitos comerciais, também podem ser utilizados para prover lastro garantidor das PPP: parcelas de carteiras de crédito operadas por instituições públicas de crédito; parcelas da arrecadação tarifária de contas de luz (de geradoras, transmissoras ou distribuidoras) de empresas públicas que operam no setor de energia; etc.

 

Mas os Fundos – em seu sentido amplo – podem ter outras aplicações.

No caso de municípios que não tenham margens de receita corrente líquida para comprometer segundo as regras da PPP ou quando não possuam ou não queiram criar empresas para aportar garantias para sustentar as contraprestações previstas pelas PPP, uma alternativa é a criação de Fundos de Investimento (também segundo as regras vigentes da CVM) específicos que cumpririam o papel que as empresas públicas desempenham para “carregar” a criação de PPP diretamente, sem comprometer o limite operacional dos tesouros municipais.

Para desenvolver uma PPP em área de saneamento, por exemplo, numa cidade onde não haja Companhia de Água e Esgoto, é possível criar um Fundo de Investimento em Participação (um FIP, de acordo com a Instrução 391 da CVM).

Os FIP podem ser constituídos como Fundos Fechados ou Fundos Abertos ao Público e tem sido muito utilizados pelo Setor Privado – notadamente na modalidade de Fundos Fechados, isto é, que são pré-colocados junto a investidores institucionais selecionados – para mobilizar recursos de longo prazo na formação de ativos em áreas como petróleo e gás, energia (geração, transmissão e distribuição), transportes e mobilidade, entre outros.

Os cotistas do FIP são também seus acionistas e, como tal, elegem uma Diretoria Executiva (onde o Poder Municipal pode ter uma “golden share” e, mediante Acordo de Acionistas, estar isenta de responsabilidades outras que não sejam aquelas de caráter estratégico e institucional).

Os ativos dessa SPE são os ativos a serem formados pela PPP e seu “valor” diz respeito ao volume dos investimentos estimados pelo Poder Público ou pelo Parceiro Privado através das PMI, MIP ou outros processos assemelhados.

Assim um município pode colocar em Licitação de PPP a venda de parcelas de participação acionária dessa SPE que faz parte do FIP em até 99% das cotas relativas aos investimentos (CAPEX) e às despesas operacionais a serem incorridas com a formação do ativo (OPEX) pelo prazo estabelecido pela PPP a realizar.

As cotas do Fundos são também as cotas de garantia aos agentes financiadores da PPP (os Parceiros Privados podem aportar o valor do “equity” que normalmente teriam que prover se financiassem o CAPEX por linhas de crédito longo prazo; e captariam a diferença de 70% a 80% junto a investidores cotistas que passariam a serem seus sócios na SPE do FIP que, nesse caso, que passaria a ser também a SPE prevista na Lei 11.079, de PPP).

A vantagem é que os cotistas do FIP podem subscrever 20% a 30% do capital da SPE com recursos próprios e captar os outros 70% a 80% via os mecanismos convencionais de crédito de longo prazo, no âmbito do FIP. E os financiadores convencionais teriam como Fundo Garantidor as próprias ações da SPE e os recebíveis da contraprestação pública após a fruição dos investimentos previstos na PPP.

Os município, por sua vez, afora as demais obrigações previstas na Matriz de Risco, utilizariam o FIP como veículo da PPP – como se fossem as suas empresas municipais de água, esgoto, transporte público, hospitais, escolas e outros ativos sociais ou de infraestrutura a criar.

O FIP tem a mesma personalidade jurídica de uma empresa para os fins de não utilização do limite dos 3% da receita corrente líquida: e ao fim da PPP, as ações da SPE do FIP/PPP – que como ações refletem o valor patrimonial dos ativos formados pela PPP – revertem integralmente ao Poder Concedente.

Outro exemplo são as ações de fomento que os governos municipais queiram introduzir no campo da Lei de Inovação.

Um município que queira implementar atividades inovadoras pode fazer um Chamamento Públicos (PMI) via a AMBIMA (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) para a criação conjunta de um FUNDO DE INOVAÇÃO com base na Instrução 209 da CVM que cria os Fundos de Investimento de Empresas Emergentes (FMIEE), tal como se está prevendo na Lei de Inovação da cidade de São Paulo que está sendo apreciada pela Câmara Municipal.

Visto que existem muitos Institutos de Pesquisa públicos e privados na cidade (como em vários outros pólos de ciência e tecnologia em alguns municípios do país), o Poder Público organiza a apresentação de projetos a serem formados em uma CARTEIRA DE OPORTUNIDADES a ser apresentada a parceiros privados investidores, do mercado financeiro e de capitais.

Além de formar a CARTEIRA, o Parceiro Público fará aportes mensais de R$ 100 mil durante 05 (cinco) anos para capitalizar o Fundo. E através da PMI selecionará um ou mais aportadores de capital que, com base na CARTEIRA DE OPORTUNIDADES oferecida ofereçam um MÚLTIPLO MENSAL SUPERIOR e pelo mesmo prazo do que é oferecido pelo Poder Público, de forma a mobilizar uma soma de recursos maior e desde que em conjunto ou isoladamente uma (ou mais) dessas instituições sejam os gestores, avaliadores e aportadores consorciados de capital para financiar projetos em estágio de “take over” já certificados por esses institutos.     

Com esse “desenho de PPP Financeira” cada município pode fazer seu fundo de risco para incentivar atividades que são próprias e peculiares às suas vocações locais ou regionais, fornecendo capital de risco com gestores privados experimentados com foco nos mesmos negócios a incentivar em cada área ou setor de atividade econômica específica de atuação.

E, neste conceito, o FUNDO CRIADO é a um só tempo fonte de geração de recursos para as atividades que se deseja mobilizar quanto Fundo Garantidor das atividades fomentadas.

 

(Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações).

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