Artigo: O Governo Temer renunciou a usar investimentos em infraestrutura no curto prazo para revitalizar a economia do país?

  1. Introdução

O Governo Temer emitiu a Medida Provisória n⁰ 727 (“MP 727”), de 12 de maio de 2016, que cria o PPI – Programa de Parcerias de Investimentos.

A medida era esperada como um instrumento para gerar investimentos em infraestrutura, por meio de parcerias com a iniciativa privada.

Mas, na prática, é apenas o início de uma reorganização da estrutura institucional para realizar um novo programa de parcerias de longo prazo da Administração Pública com a iniciativa privada.

Apesar da reorganização do programa federal de investimentos em infraestrutura por meio de participação privada me parecer algo desejável, especialmente após os diversos erros que foram cometidos pelos últimos governos[1], seria nodal para a revitalização da economia do país gerar investimentos no curto prazo e evitar que investimentos contratados e em curso sejam interrompidos.

Em outras palavras, a promessa de revitalizar a economia no curto prazo por meio dos investimentos em infraestrutura – que supostamente era o que estava por trás da ideia de criar o PPI e da urgência na emissão da MP 727 – foi completamente esquecida pela MP 727. Os investimentos a serem gerados por meio do PPI, com o desenho adotado pela MP 727, ocorrerão provavelmente apenas daqui a pelo menos 26 meses.[2]

Além disso, a MP 727 não adotou qualquer medida para viabilizar a utilização da arbitragem em contratos de concessão em curso, algo que é essencial também para solucionar os conflitos que estão emergindo desses contratos, em um contexto em que as agências reguladoras perderam sua independência política, administrativa e financeira, e, portanto, a sua credibilidade como terceiro imparcial entre o Governo e os concessionários para resolver tais conflitos.

Por fim, a MP 727 não tratou da relação entre o TCU e órgãos e entidades do Governo Federal nos setores de infraestrutura. Disciplinar esse tema é essencial para restituir a normalidade ao ambiente institucional dos setores de infraestrutura. Atualmente, todos os técnicos nas agências e nos ministérios se furtam a tomar decisões, mesmo aquelas que sabem ser necessárias e devidas, por temor da responsabilização pessoal pelo TCU, que tem ocorrido, algumas vezes, por meras divergências técnicas ou na interpretação de normas. É essencial que se adote providências para restituir a normalidade do ambiente institucional dos setores de infraestrutura estabelecendo limites ao poder do TCU e conformando a sua atividade de controle às melhores práticas internacionais.

A seguir explico sumariamente o que, na minha opinião, a MP 727 deveria ter feito em relação aos temas acima mencionados.

Queria, porém, antes disso deixar claro para o leitor que não me conhece que sou consultor nas áreas jurídica e regulatória e que presto frequentemente serviços a várias das concessionárias de rodovias e aeroportos federais que serão impactadas caso as medidas abaixo sugeridas sejam adotadas.

  1. A necessidade de preservar investimentos em curso e as medidas a serem adotadas para tanto

O Presidente Temer chegou a anunciar que usaria os investimentos em infraestrutura, por meio de contratos de concessão e PPP, para revitalizar a economia, isso é para tentar tirar o país da recessão econômica atual.

Trata-se da versão possível no Brasil da conhecida ideia keynesiana de que, em momentos de recessão, a Administração Pública deve aumentar os investimentos diretos em infraestrutura para ajudar a mover a economia.

Como as condições fiscais do Governo Federal não permitem aumentar quaisquer investimentos diretos, e como as possibilidades de comprimir gastos correntes no Brasil são limitadas, a forma possível de aumentar investimentos em infraestrutura é, de fato, por meio de contratos de concessão e PPP.

Considerando que estamos já no segundo ano de recessão, esperava-se que as medidas a serem adotadas pelo Governo Temer tivessem o condão de, no curto prazo: (a) evitar que investimentos que estão em curso sejam interrompidos; (b) impedir que investimentos já contratados sejam adiados; e (c) promover investimentos em infraestrutura por meio de novos projetos.

Dos 3 objetivos acima, a MP 727 e o PPPI focaram só no último deles.

Isso significa que só produzirão investimentos daqui a mais de 26 meses. Ou seja, o Governo Temer aparentemente decidiu que a sua função é preparar o palco para investimentos que serão eventualmente realizados no próximo Governo.

Isso poderia ser uma opção legítima se tudo estivesse bem. Mas, na situação atual do país, da economia e dos setores de infraestrutura, seria muito importante evitar que investimentos que estão em curso sejam interrompidos e impedir que investimentos já contratados sejam adiados.

Importante notar que os principais investimentos em curso no país são os previstos nas concessões de infraestrutura rodoviárias da 3ª Etapa do PROCOFE. As obras previstas nesses contratos serão certamente as mais relevantes obras a serem realizadas durante o Governo Temer. Nenhum outro conjunto de contratos prevê investimentos tão relevantes.

Esses contratos, contudo, assim como os contratos de concessão de infraestrutura aeroportuária caminham para serem descumpridos, em vista da combinação da crise econômica, com uma série de atos do Poder Público que inviabilizaram a continuidade do seu cumprimento.

Para dar apenas dois exemplos, entre vários outros, de atos sob o controle do Poder Público que agravaram o cumprimento desses contratos: (i) o aumento do preço do CAP – Cimento Asfáltico de Petróleo, pela Petrobrás, em 87% desde 2014, que impactou, sobretudo, os contratos de concessão de rodovias, e (ii) o descumprimento pelo BNDES das condições esperadas de financiamento, que impactou tanto os contratos de concessão de rodovias, quanto os de aeroportos federais. Essas são situações completamente alheias ao controle dos concessionários que impactaram os contratos em curso em alguns casos a ponto de impedirem a continuidade da realização dos investimentos conforme previstos.

Se nenhuma medida governamental for adotada, esses investimentos vão parar por incapacidade das concessionárias de realizá-los nas condições atuais.

Do ponto de vista jurídico, a solução desses problemas representa um enorme desafio.

Os contratos de concessão celebrados sob o Governo Dilma foram extremamente mal feitos. As cláusulas sobre distribuição de riscos lançam sobre o concessionário o risco sobre vários eventos que são controlados pelo Poder Público, ou que são incontroláveis pelo concessionário. Eu já tinha apontado isso em estudos anteriores sobre esses contratos, nos quais tratei especificamente dos erros – da EBP e do BNDES que foram as entidades que modelaram esses contratos – na alocação dos riscos de demanda, financiamento e variação de custos de insumos.[3]

Para piorar, foram incluídas ainda nesses contratos cláusulas sobre riscos residuais, que, na minha opinião, são inválidas, vide artigo que já publiquei sobre esse tema[4], mas que atribuem ao concessionário o risco de todos os eventos não tratados expressamente no contrato. E essa cláusula é lida por alguns agentes públicos, técnicos ou da área jurídica, do Governo Federal, como algo que afasta a atribuição feita pela Lei 8.666/93, no seu art. 65, inc. II, alínea “d”, à Administração Pública dos riscos de eventos extraordinários e extracontratuais.

Nesse contexto difícil, de desarranjo econômico, político, institucional e contratual, a única solução que me parece possível para readequação desses contratos é o reconhecimento por medida provisória da extraordinariedade e imprevisibilidade dos eventos que lhes atingiram, de maneira a afastar a aplicabilidade da cláusula de distribuição residual de riscos, que supostamente atribui ao concessionário o risco de eventos imprevisíveis, extraordinários e extracontratuais.

Isso permitiria que se realizassem o reequilíbrio por eventos extraordinários e as alterações dos contratos necessárias a adequá-los à situação econômica atual, de maneira a viabilizar a continuidade dos investimentos previstos nos contratos de concessão de rodovias, e os pagamentos de outorga previstos nos contratos de concessão de aeroportos.

Do ponto de vista jurídico, essa medida legislativa não é indispensável. Mas, no contexto atual, não me parece haver qualquer agente público na Administração Publica, político ou técnico, capaz de arcar com o ônus político da adoção dessas medidas. Só uma medida legislativa criaria as condições para que esses reequilíbrios e alterações nos contratos de fato fossem realizados. Por isso, creio ser urgente a adoção pelo Governo Temer de medida provisória nesse sentido, para viabilizar que investimentos em infraestrutura já contratados não sejam interrompidos ou adiados, de maneira a contribuir para redinamizar a economia do país. Aliás, o ideal seria incluir dispositivos com esse objetivo na própria MP 727.

  1. Viabilizar o uso da arbitragem em concessões e PPPs já assinadas

Os contratos de concessão de rodovias e de aeroportos em curso preveem a possibilidade de utilização da arbitragem para solução de conflitos.

Já há muito foi superada a dúvida sobre o cabimento de arbitragem para solução de conflitos em contratos de concessão e PPP. Como resultado disso, existe, inclusive, há alguns anos permissão legal explícita para uso da arbitragem em contratos administrativos.[5]

Contudo, ainda pesa dúvida sobre quais são os limites da aplicação da arbitragem em conflitos que decorrem de contratos que envolvem a Administração Pública, em vista da disposição legal que determina que só podem ser objeto de arbitragem direitos patrimoniais disponíveis.[6]

A dúvida em relação aos contratos administrativos é sobre quais aspectos desses contratos se configurariam como direitos indisponíveis, inviabilizando, por essa razão, a sua submissão à arbitragem.

Apesar de me parecer claro que quaisquer questões econômico-financeiras atinentes a contratos administrativos se caracterizam como direitos patrimoniais disponíveis, uma decisão do TCU sobre o tema criou enorme confusão. Nessa decisão,  que critiquei em artigo já publicado,[7] o TCU diz que todas as questões relativas ao equilíbrio econômico-financeiro de contratos administrativos se caracterizam como direitos indisponíveis, o que não faz o menor sentido.

Em um contexto no  qual as agências reguladoras perderam, nos últimos anos, credibilidade para solução dos conflitos em torno da execução dos contratos de concessão – particularmente por consequência de atos de Governo que as capturaram[8], como, por exemplo, a indicação de diretores interinos, sem mandato – e em que o Poder Judiciário é excessivamente lento e os seus integrantes não possuem especialização para entender a complexidade das questões que emergem dos contratos de concessão e PPP, é indispensável viabilizar a possibilidade de utilização da arbitragem para solução dos conflitos que surgirem nos contratos de concessão em curso.

Para isso, bastaria a previsão em lei de dispositivo que estabeleça que todas as questões econômico-financeiras tratadas em contratos de concessão ou PPP, inclusive nos contratos em curso, podem ser objeto de arbitragem, incluindo aquelas que decorram de impactos econômico-financeiros de decisões sobre aspectos regulamentares do contrato. Disposição nesse sentido deveria ter sido incluída na MP 727.

  1. A necessidade de dar limites ao poder de controle do TCU

Existem basicamente duas atividades do TCU que interferem na realização de investimentos em infraestrutura por meio de parcerias com a iniciativa privada de longo prazo, como os contratos de concessão e PPP.

A primeira é a fiscalização prévia e concomitante das desestatizações. Essa é uma atividade pela qual o TCU aprova os estudos de viabilidade e, na prática também as minutas de edital e contrato, dos processos de desestatização.[9]-[10] Em relação a essa atividade, me parece haver argumentos sólidos para se dizer que ela desborda Das competências formais do TCU. [11]

Importante notar que essa atividade claramente caracteriza o TCU como co-gestor da Administração Pública, na medida em que ele participa das decisões que levam à formação do edital e do contrato administrativo, por meio da emissão de determinações que exigem que os órgãos e entidades responsáveis pelo processo de desestatização o conformem à sua visão.[12]

O argumento geralmente usado pelos técnicos do TCU para defender que não há intromissão na atividade do gestor público responsável pela desestatização é que o TCU não realizaria escolha do modelo de desestatização, mas apenas fiscalização da coerência e robustez técnica das decisões adotadas.

Mas, quem conhece a complexidade desses processos sabe que é impossível traçar essa linha divisória de maneira clara.

Além disso, não há revisor da conformação do TCU a esses limites, sendo o único revisor possível o Poder Judiciário, que, em vista da sua falta de especialização no tema e do tempo que leva para julgar, há poucos incentivos para o Governo questionar as decisões do TCU perante o Poder Judiciário. Na prática, é o próprio TCU quem estabelece os seus limites, o que cria circunstancia favorável a interpretação sempre generosa sobre os limites do seu próprio poder.

A segunda atividade do TCU que interfere nos investimentos em infraestrutura é a fiscalização da atividade-fim das agências reguladoras, isso é da atividade regulatória dessas agências.

Há muita discussão sobre se a competência do TCU para fiscalização da legalidade dos atos da Administração Pública necessariamente abrangeria a competência de controlar a atividade-fim das agências.

Aparentemente, há consenso na literatura de que a competência do TCU para controlar a atividade finalística da agência derivaria da sua competência para controle de legalidade dos atos, apesar da literatura reconhecer que o TCU não deveria se sobrepor às opções regulatórias escolhidas pela agência. O argumento caminha em uma linha muito semelhante àquela que mencionei acima em relação à fiscalização prévia e concomitante das desestatizações: o TCU não deveria questionar as opções regulatórias da agência, mas apenas julgar a sua coerência, verificar erros de cálculos etc.[13] Mas novamente, os limites dessas atividades não são facilmente identificáveis. E a interpretação sobre os seus próprios limites termina na prática cabendo ao próprio TCU, o que, como já mencionei, cria incentivos para uma concepção generosa dos limites do seu próprio poder.

Apenas para dar um exemplo de como o TCU já desbordou nessa atividade desses supostos limites da sua atividade de controlador, basta olhar o acórdão Acórdão nº 2927/2011 no qual o ele determina à ANTT a mudança das regras de reequilíbrio de contratos em curso de concessões de rodovias. A escolha de regras de reequilíbrio e de buscar modifica-las em contratos em curso é, sem a menor dúvida, escolha regulatória que deveria ser exclusivamente cabível à agência reguladora. O TCU, portanto, não deveria se imiscuir nesse tema.[14]

Além disso, conforme artigo 58, §1⁰, da Lei 8.666/93 regras sobre reequilíbrio só podem ser alteradas por acordo entre as partes. Portanto, a ANTT sequer tem o condão de alterar unilateralmente essas regras, de maneira que o TCU sequer poderia realizar tal determinação à agência, vez que ela não poderes legais para cumpri-la, sem a aquiescência do concessionário. No máximo, o TCU poderia fazer uma recomendação nesse sentido à agência, sujeita à aquiescência de cada um dos concessionários em aditivos aos respectivos contratos a serem eventualmente celebrados.

No presente trabalho, eu não tenho intenção de realizar um estudo aprofundado sobre os limites da competência do TCU na Constituição Federal e na legislação vigente, mas apenas mencionar a minha percepção de que o exercício pelo TCU da fiscalização prévia e concomitante de desestatizações combinado com o exercício do controle sobre a atividade-fim das agências reguladoras há muito o tornou co-gestor das principais atividades para desenvolvimento e funcionamento dos contratos destinados a implantar e operar infraestruturas no Governo Federal.

Em relação à fiscalização prévia e concomitante, as regras criadas pela próprio TCU sobre esse tema (por meio de Instruções Normativas) permitem a interação entre os gestores públicos e o TCU antes da licitação e a aprovação formal pelo TCU dos estudos de viabilidade (geralmente com a emissão de determinações para realização de alterações) e, na prática, também dos editais de licitação e minutas de contrato.

Como no caso dos processos de fiscalização prévia e concomitante das desestatizações, o TCU atua formalmente antes da efetivação das decisões administrativas mais relevantes – ou seja, como ele é de fato e institucionalmente participante da decisão sobre o modelo técnico, econômico-financeiro, institucional, jurídico da desestatização – não há paralisação dos processos por temor dos agentes públicos de contrariar o TCU, já que o TCU participa do próprio processo de emissão das decisões e as conforma à sua visão.

Mas, em relação à fiscalização pelo TCU da atividade-fim das agências, o temor de decisões do TCU – especialmente da possibilidade do TCU responsabilizar pessoalmente os que assinam notas técnicas e pareceres que baseiam decisões regulatórias, aplicando sanções tais como multas e inabilitação para assumir cargos na Administração Pública – tem paralisado a atividade-fim das agências reguladoras ou criado efeito dissuasório na direção da tomada de decisões que favoreçam o Governo e/ou usuários do serviço, contra direitos do concessionário, mesmo quando, informalmente, os agentes públicos envolvidos na tomada da decisão admitam que, em julgamento isento, teriam julgado em favor do concessionário. Isso por temor de decisões contrárias do TCU e de responsabilização pessoal em virtude da sua participação nas decisões regulatórias contra as quais o TCU venha a divergir.

E não estou falando aqui de risco de responsabilização pessoal do agente público pelo TCU pela ocorrência de corrupção, ou em casos em que os agentes públicos envolvidos na decisão regulatória tenham auferido pessoalmente e comprovadamente benefícios indevidos para a tomada da decisão. Estou falando de situações em que a decisão da agência eventualmente gere qualquer efeito benéfico para o concessionário, e haja qualquer divergência do TCU quanto a se esse benefício seria devido pelas regras legais e contratuais.

A percepção de que esses efeitos disfuncionais da atividade de controle do TCU estão ocorrendo é uma percepção que se tornou clara para mim pelo meu trabalho diuturno de acompanhamento de discussões regulatórias nas agências. Mas seria extremamente importante a realização de estudos para demonstrar isso.

Essa situação precisa ser corrigida se quisermos revitalizar as agências reguladoras como entes imparciais aptos a, entre outras atividades, resolverem conflitos entre concessionários e o Governo.

Do contrário, a inação das agências reguladoras e suas decisões facciosas, produto da aversão dos seus funcionários a assumir o risco de serem punidos pelo TCU, tornará a arbitragem a principal via para solução dos conflitos entre concessionários e o Governo.

Aliás, creio que, lamentavelmente – em vista do ambiente politico atual e da inexistência de agentes políticos capazes de bancar politicamente uma medida que leve à limitação de poderes do TCU – o nosso destino, de fato, é que a arbitragem se torne o único meio capaz de lidar com os conflitos e impasses mais relevantes.

E isso é mais uma razão para que se viabilize a utilização da arbitragem, nos termos que mencionei no item 3 acima para resolver esses impasses criados por essa estrutura de controle da atividade-fim das agencias reguladoras.

Enfim, acho que é importante que o Governo adote medidas legislativas no sentido de disciplinar ambos: (a) a relação entre o TCU e os órgãos da Administração Pública nos processos de fiscalização prévia e concomitante das desestatizações; e, o que seria ainda mais importante, (b) os limites do controle do TCU sobre a atividade-fim das agências reguladoras, sob pena de se perpetuar esse ambiente disfuncional que leva a permanência de impasses e decisões facciosas sobre a execução dos contratos submetidos às agências reguladoras.

É importante notar que, tendo já estudado várias estruturas institucionais de diversos países para modelagem de PPP e concessões, que eu saiba, não existe no mundo cortes de contas, ou outros órgãos de controle da Administração Pública, que aprovem previamente estudos de viabilidade de concessões ou PPPs e que possam rever decisões finalísticas de agências reguladoras, responsabilizando pessoalmente os agentes que delas participaram, sem que tenha sido comprovada a obtenção de benefícios pessoais por esses agentes para a tomada da decisão.

Apenas para dar dois exemplos, nem o NAO – National Audit Office, o órgão equivalente ao TCU no Reino Unido, nem o GAO – Government Accountability Office, que é o seu equivalente para o Governo Federal dos Estados Unidos, tem funções desse tipo. Ambos olham os contratos em regra a posteriori e sugerem aperfeiçoamentos para os próximos contratos. Também na Europa continental não me consta que haja qualquer órgão com funções semelhantes.

O controle desses temas em outros países, em regra, só pode ser realizado pelo Poder Judiciário, que em muitos casos, especialmente pelo maior preparo técnico da agência reguladora para tomar essas decisões, tem enorme deferência às decisões das agências, como já nos mostrou excelente estudo de Eduardo Jordão sobre esse tema.[15]

Enfim, se a intenção do Governo é reorganizar o setor de infraestrutura, a MP 727 deveria abordar o problema dos limites do poder de controle do TCU, tanto em relação à modelagem dos projetos, quanto em relação à atividade regulatória das agências.

Reconheço, contudo, que, no ambiente político atual, completamente conflagrado, pelos achados da Operação Lava-Jato, é difícil encontrar agentes políticos que tenham capital político para propor medidas desse tipo.

De qualquer modo, para restituir a normalidade ao setor de infraestrutura e iniciar o processo de recuperação e reforma institucional das agências reguladoras seria extremamente importante que a MP 727 tratasse desses temas.

(Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações).

[1] RIBEIRO, Maurício Portugal. Novo pacote de infraestrutura do Governo Dilma: 15 erros que precisam ser corrigidos. Disponível em http://pt.slideshare.net/portugalribeiro/o-que-precisa-mudar-no-pil-final-publicado-em?related=1 .

[2] Vale a pena explicar como calculei esse prazo de 26 meses: (i) 4 meses para seleção de projetos, instituição do Fundo de Apoio à Estruturação de Parcerias (elaboração, aprovação e registro em cartório do seus atos constitutivos), aprovação das regras sobre seleção das consultorias pelo Fundo, seleção dos primeiros consultores e contratação desses consultores, (ii) em torno de 9 meses para fazer os estudos, isso evidentemente a depender da natureza do projeto e supondo que não se faça estudos às pressas que afetem a qualidade, como no Governo anterior, (iii) 9 meses para realizar a tramitação interna dos estudos para aprovação no Governo, aprovar os estudos de viabilidade no TCU, realizar a consulta pública, a licitação do projeto e assinar o contrato, e (iv) mais 4 meses para realizar projetos detalhados, mobilizar e iniciar as obras. Esses prazos já estão extremamente apertados. Os prazos reais costumam ser mais longos do que os estimados.

[3] Vide os seguintes artigos: RIBEIRO, Maurício Portugal & PINTO, Gabriela M. Engler. Concessões de aeroportos e de rodovias federais: o erro de atribuir ao concessionário riscos controlados pelo poder concedente e as suas consequências, disponível em http://pt.slideshare.net/portugalribeiro/20140204-riscos-controlados-por-uma-parte-e-atribuidos-a-outra-parte-publicado; e, RIBEIRO, Mauricio Portugal. Como lidar com o risco de financiamento de concessões e PPPs em períodos de normalidade e de crise. Disponível em http://pt.slideshare.net/portugalribeiro/como-lidar-com-o-risco-de-financiamento-de-concesses-e-ppps-em-perodos-de-normalidade-e-de-crise?related=1.

[4] RIBEIRO, Mauricio Portugal. Atribuição ao contratado da Administração Pública de todos os riscos não tratados no contrato é nula perante a Lei 8.666/93, disponível em http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/mauricio-portugal-ribeiro/-atribuicao-ao-contratado-da-administracao-publica-de-todos-os-riscos-nao-tratados-no-contrato-e-nula-perante-a-lei-8-666-93.

[5] No caso dos contratos de concessão, essa permissão consta do artigo 23-A, da Lei Federal n⁰ 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. No caso dos contratos de PPP, essa permissão consta do artigo 11, inciso III, da Lei Federal n⁰ 11.079, de 30 de dezembro de 2004.

[6] Cf.: art. 1⁰, da Lei Federal n⁰ 9.307, de 23 de setembro de 1996.

[7] RIBEIRO, Mauricio Portugal. Arbitragem, TCU e risco regulatório: se o TCU quiser contribuir para reduzir o risco regulatório precisa rever sua posição sobre arbitragem em contratos administrativos. Disponível em http://pt.slideshare.net/portugalribeiro/tcu-e-arbitragem-verso-preliminar-em-16122014 .

[8] Eu venho afirmando que as agências reguladoras federais foram capturadas pelo Governo há vários anos. No artigo citado na nota de rodapé 7 acima, analisei esse problema. Recentemente, contudo, a FGV realizou estudo, não disponibilizado integralmente até o fechamento do presente artigo, que concorda com esse entendimento, mas cujas conclusões podem ser acessadas no seguinte link: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/07/1787449-agencias-reguladora... .

[9] Vide Instruções Normativas n⁰ 27/98, 46/04 e 52/07, do TCU.

[10] Apesar de formalmente o TCU não aprovar previamente os editais de licitação, se tornou costume nos últimos Governos a submissão ao TCU desses documentos juntamente com os estudos de viabilidade.

[11] Vide o seguinte estudo: JORDÃO, Eduardo Ferreira. A intervenção do TCU sobre editais de licitações não publicados: controlador ou administrador? Disponível em:
http://www.academia.edu/13562571/A_interven%C3%A7%C3%A3o_do_TCU_sobre_editais_de_licita%C3%A7%C3%B5es_n%C3%A3o_publicados_controlador_ou_administrador.

[12] Vide, por exemplo, a discussão do TCU sobre as exigências de qualificação técnica no caso das concessões de aeroportos. Entre vários outros temas, o TCU definiu a principal exigência técnica a ser cumprida pelos operadores de aeroportos da licitação: o número mínimo de passageiros atendidos pelos aeroportos operados pelos potenciais participantes da licitação.

[13] Note-se que a maior parte da literatura específica sobre esse tema que tive acesso foi produzida por agentes do TCU.

[14] Acórdão nº 2927/2011. Rel. Walton Alencar Rodrigues, Plenário. J. em 9/11/2011.

[15] JORDÃO, Eduardo Ferreira. Controle Judicial de Uma Administração Pública Complexa. São Paulo: Editora Malheiros, 2016.

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